Notícias e Novidades

31 / December / 2024

Mensagem de Final de Ano da AEVPORT

Caros colegas,   Chegamos ao final de mais um ano, um período marcado por desafios e conquistas. A Enfermagem Veterinária em Portugal tem dado passos significativos em direção a um maior reconhecimento e valorização, e isso só tem sido possível graças ao apoio de cada um de vocês.   Estamos no início da nossa jornada, mas temos trabalhado arduamente para consolidar a nossa missão e construir um futuro mais forte para a Enfermagem Veterinária. Acreditamos que o futuro da nossa profissão passa, inevitavelmente pelos estudantes, os futuros profissionais que irão dar continuidade a este trabalho. Por isso, renovamos o nosso compromisso de lutar pelo futuro da profissão e por todos aqueles que representam esse futuro.   Ao entrarmos em 2025, reforçamos a importância de trabalharmos em sinergia com outros profissionais de saúde animal e humana. Apenas com uma colaboração integrada e multidisciplinar poderemos garantir um impacto positivo no bem-estar animal e na saúde pública, consolidando a relevância do Enfermeiro Veterinário na sociedade.   Este ano foi marcado pelo início do nosso plano de formação com o Webinar "Cálculos Matemáticos para o Enfermeiro Veterinário", que trouxe uma abordagem prática e essencial para o dia a dia dos nossos profissionais. Além disso, o Journal Club da AEVPORT proporcionou momentos enriquecedores de discussão sobre artigos científicos e guidelines, fortalecendo a partilha de conhecimento junto da nossa comunidade. Participámos também em eventos nacionais e internacionais, reforçando o nosso compromisso com o desenvolvimento e reconhecimento da Enfermagem Veterinária. Para fechar o ano, atingimos um recorde de 98 sócios, reflexo da força e união da nossa profissão.   Para 2025, além do nosso plano formativo, estamos a preparar-nos para dois importantes congressos europeus de Enfermagem Veterinária que irão decorrer em Portugal, os quais iremos convidar todos os sócios a fazerem parte. Estamos também a desenvolver formações nas áreas de bem-estar e mindfulness, com o objetivo de promover um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional.   Desejamos a todos um excelente final de ano, repleto de momentos de alegria, descanso e reflexão. Que 2025 traga novas oportunidades e ainda mais conquistas para a nossa profissão. Estamos certos de que iremos alcançar os nossos propósitos com a dedicação que tanto caracteriza os Enfermeiros Veterinários. Um forte abraço, Nuno R. Lima Presidente da AEVPORT   Ana Lúcia Garcia │ Ana Sêco │ David Dantas │ Diana Meira │ Liliana Colaço │ Liliana Machado │ Márcia Oliveira │ Sandra Amaral │ Sara Cuco │ Sérgio Almeida

09 / December / 2024

Resistência Antimicrobiana: Como pode o Enfermeiro Veterinário intervir na sensibilização deste problema emergente?

Entende-se por antimicrobianos - incluindo antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários – os medicamentos usados para prevenir e tratar infeções em humanos, animais e plantas. São considerados das maiores descobertas da História da Humanidade. Após a sua descoberta em 1928, a penicilina tornou-se o primeiro antibiótico a ser produzido em massa a partir do início da década de 1940. No decorrer da II Guerra, foram produzidos os primeiros lotes de penicilina e os antibióticos passaram a fazer parte das práticas médicas, salvando um número incontável de vidas humanas.   Assim que os primeiros antibióticos começaram a ser utilizados, a resistência antimicrobiana foi reportada. O primeiro caso de resistência à penicilina foi verificado logo em 1940, antes da sua produção e utilização em massa.   A resistência antimicrobiana ocorre quando os microrganismos (bactérias, vírus, fungos e parasitas) já não respondem aos agentes antimicrobianos, tornando estes tratamentos específicos ineficazes reduzindo, assim, as opções de tratamento clínico. Consequentemente, aumenta o risco de complicações e de disseminação das doenças, internamentos hospitalares (lecando a mais custos) e taxas de mortalidade.     Quais são os fatores de risco?   Os países em vias de desenvolvimento, onde ainda existe falta de acesso a água potável, saneamento e as práticas de higiene são pouco recorrentes, o acesso a diagnósticos de qualidade, tratamentos e vacinas é deficiente, assim como a prevenção e o controlo de infeções em unidades de saúde, lares ou explorações agrícolas/pecuárias são precários, padecem rapidamente das consequências associadas a este flagelo. Não obstante, os países desenvolvidos partilham alguns destes fatores de risco, sendo que a escassa sensibilização para uma utilização correta dos antibióticos ainda faz parte das atuais preocupações e isso impacta negativamente a população.     Em números, qual é o impacto a nível mundial?   Através de uma rápida pesquisa, conseguimos perceber o impacto que o problema tem, à escala mundial.   A Organização Mundial de Saúde revela que, em 2019, a resistência antimicrobiana foi responsável, diretamente por 1,27 milhões e contribuiu para outros 4,95 milhões de mortes, em todo o mundo. Estima-se que, em 2050, será responsável por 2 milhões de mortes por ano, sobretudo em pessoas acima dos 70 anos de idade, sendo, por isso, mais prevalente do que as mortes relacionadas com doenças oncológicas.   Fonte: https://wellcome.org/sites/default/files/wellcome-global-response-amr-report.pdf   O relatório do Sistema Global De Vigilância De Resistência E Uso De Antimicrobianos (GLASS), de 2022, destaca taxas de resistência alarmantes entre bactérias prevalentes. Refere que, em 76 países, a taxa média de resistência da Escherichia coli às cefalosporinas de terceira geração é de 42% e que a Staphylococcus aureus mostrou-se resistente à meticilina em 35% dos casos.   Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), a projeção é que resistência aos antibióticos vai aumentar em duas vezes até 2035, comparativamente com os números verificados em 2005.   Na prática, procedimentos e tratamentos médicos como cirurgias e quimioterapias também ficam comprometidos.   O problema é complexo e requer ações específicas por parte do setor da saúde humana, produção de alimentos e setores animal e ambiental, implicando uma abordagem coordenada entre todos estes setores – One Health.   A One Health é uma abordagem integrada que visa atingir resultados de saúde ideais e sustentáveis para pessoas, animais e ecossistemas. Afirma que a saúde dos humanos, animais domésticos e selvagens, plantas e o ambiente em geral estão intimamente ligados e são interdependentes. Pretende, assim, prevenir e controlar a resistência antimicrobiana através da colaboração de entidades de todos os setores relevantes na implementação e monitorização de programas, políticas, legislação e pesquisa nesta área.   Torna-se importante a sensibilização da população e os profissionais de saúde, em particular, para uma utilização correta dos agentes antimicrobianos. A responsabilidade é de todos, desde os cidadãos aos profissionais de saúde envolvidos na sua prescrição e distribuição, a nível humano e animal.     De que forma, podem os enfermeiros veterinários intervir?   Cabe aos enfermeiros veterinários, na sua prática clínica, adotar medidas como:   Informar os tutores sobre o perigo do uso indiscriminado deste tipo de medicamentos, explicando que pode levar a resistências, pondo em causa a sua eficácia;   Relembrar os tutores que são medicamentos de prescrição médica obrigatória, devendo ser utilizados somente mediante indicação do médico veterinário nas doses prescritas;   Incentivar ao descarte, em locais apropriados nas farmácias, sempre que haja sobras de medicamentos, de forma a que não exista a possibilidade de utilização em situações futuras para as quais não foram prescritos;   Alertar que nem todas as infeções são iguais em termos de utilização de antibióticos, ou seja, só o diagnóstico do médico é que permite a melhor escolha do antibiótico em função da situação em causa.     Desta forma, aos dias de hoje, o aumento da resistência aos antimicrobianos constitui uma preocupação crescente à escala mundial.   Os esforços na área da investigação não devem, assim, ser dirigidos apenas para a descoberta e desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos e vacinas. A melhoria da tecnologia dos diagnósticos, tornando-os mais precisos e aumentando a sua sensibilidade, contribui de forma significativa para a prevenção precoce das infeções e proporciona tratamentos mais direcionados.    A investigação acerca dos mecanismos de desenvolvimento das resistências, por parte dos agentes patogénicos, também deve continuar. O esforço contínuo da sensibilização também é crucial e está nas nossas mãos dirigi-lo à população em geral.   Referências Bibliográficas: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial resistance Antimicrobial Resistance (WHO, 2023). Antimicrobial resistance: a silent pandemic | Nature Communications. Publicado em julho de 2024 The Relationship Between the Microbiome and Antimicrobial Resistance Nguyen T Q Nhu 1 , Vincent B Young 1 2 (2023)

13 / September / 2024

O regresso à rotina dos animais de companhia

O período de férias traz momentos de felicidade e descontração aos tutores, mas, por vezes, nem tanto aos seus animais. Se, por um lado, há maior disponibilidade para brincadeiras, passeios e interação social, por outro, o animal pode ter de enfrentar uma série de desafios, como ficar num local desconhecido e ter de lidar com pessoas às quais não está habituado. Este comportamento é ainda mais notório e pronunciado quando falamos dos felinos. Como tal, por vezes, esta alteração de rotinas, pode criar ansiedade no animal e até no tutor.   Como pode o enfermeiro veterinário intervir, junto dos tutores, nestes casos? O que deve saber e que tipo de recomendações pode fazer, para ajudar a compreender estas alterações de comportamento e minimizar as suas consequências?   A socialização é um fenómeno de adaptação e é, em parte, neurologicamente programado em cães e gatos. Na prática, define-se como a tendência dos indivíduos se associarem ou se reunirem em grupos. Desta forma, o desenvolvimento da angústia relacionada com a separação pode ser visto como uma consequência da própria socialização. Para conseguirmos ajudar na prevenção ou minimização antecipada do problema, em primeira fase, devemos saber identificar e comunicar os fatores de risco associados a estas alterações comportamentais. São vários, os animais que vivem com um único ser-humano e esses têm maior probabilidade de desenvolver comportamentos associados a ansiedade por separação do que aqueles que vivem em lares com mais do que um morador. Dos fatores de risco mais frequentes, relacionados com mudanças no quotidiano destacam-se:   Um tutor que trabalha longas horas ou que sofre uma mudança no horário de trabalho; Viagens frequentes de trabalho ou lazer, onde se enquadram os períodos de férias; Um aumento no tempo que o proprietário passa com a família ou amigos; Novos elementos na família, animais ou bebés; Partida de um membro da família (por exemplo, divórcio ou morte); Morte ou remoção abrupta de outro animal de estimação.   Além disso, no caso dos gatos há, ainda, fatores mais propensos: gatos de abrigos, adotados após os 3 meses de idade, gatos que seguem os seus donos ao redor da casa, gatos castrados e gatos pertencentes a um único indivíduo, têm maior probabilidade de desenvolver ansiedade por separação. Como é sabido, animais de estimação mais velhos, podem ser menos toleráveis à mudança e ao stress em geral. As alterações cognitivas numa fase geriátrica, podem reduzir a capacidade dos animais idosos para lidar com a separação dos seus tutores e com as alterações no seu ambiente familiar. Hoje em dia, temos uma esperança média de vida maior dos nossos animais, por isso este fator é indicativo do aumento da incidência deste problema nos próximos tempos.   Os problemas de saúde também podem reduzir a adaptabilidade emocional e a capacidade cognitiva do animal de estimação. Desta forma, as condições médicas subjacentes devem ser consideradas em animais de estimação mais velhos com distúrbios comportamentais. Doenças metabólicas e outras doenças associadas ao envelhecimento (por exemplo, surdez, cegueira e osteoartrite) também devem ser considerados fatores de risco. Em relação aos sinais comportamentais/emocionais verificados na ausência dos donos ou no período de adaptação a uma nova rotina, os mais frequentes são: apatia, perda de apetite ou alteração nos padrões de alimentação, vocalização excessiva, agitação, alterações no ciclo sono-vigília, comportamentos destrutivos (por exemplo, plantas, objetos pessoais do tutor) e micção/defecação em locais inadequados. É muito importante relembrar que os gatos podem apresentar estes comportamentos, mas, na maioria dos casos, de forma mais subtil, não devendo, ainda assim, ser desvalorizados.   Existem algumas estratégias a adotar antes da partida e no regresso, que podem ajudar a reduzir a probabilidade de ocorrência destes comportamentos ou diminuir a sua intensidade. Os eventos que ocorrem imediatamente antes da saída ou à chegada do tutor, devem ser tão calmos quanto possível. Por exemplo, os rituais de saudação são comuns. No entanto, a exuberância das saudações, por parte do tutor, pode criar inquietação no animal. Pode ser recomendada ao tutor e a todos os que vivem na mesma casa, uma mudança na forma como interagem com o animal sempre que entram e saem de casa, devendo ser evitadas as interações muito demoradas e emotivas. Esta recomendação educativa deve, preferencialmente, ser transmitida aos tutores na fase de educação e socialização de um cachorro e gatinho, pois este tipo de medida deve ser adotado ao longo do ano, de forma a evitar com mais eficácia as frustrações que podem ocorrer no animal, aquando da ausência do tutor. Nos cães, uma longa caminhada antes da partida e a apresentação de um brinquedo novo e interativo (por exemplo, dispensadores de biscoitos), vão ajudar a promover uma associação positiva com a ausência do tutor. Nos gatos, também brinquedos didáticos, que implicam resolver situações simples ou desenvolver novas competências para obter uma recompensa, são uma boa opção, pois permitem mantê-los entretidos, estimulando o seu instinto predatório natural, o que contribui, também, para diminuir o sedentarismo.   Deveremos sempre reforçar a ideia de que o regresso à normalidade é feito de forma gradual, devendo o tutor estar preparado para lidar com alguns destes comportamentos, mesmo quando já se encontra novamente em casa, depois do período de férias. Como vai ser necessário um período de adaptação para o animal que veio de um sítio diferente ou para o que ficou sozinho, é previsível que estes comportamentos se possam prolongar durante alguns dias e até semanas após o regresso à rotina.   Bibliografia: Risk factors and behaviors associated with separation anxiety in dogs - G Flannigan , N H Dodman Separation anxiety syndrome in dogs and cats - Stefanie Schwartz Identification of separation-related problems in domestic cats: A questionnaire survey Daiana de Souza Machado, Paula Mazza Barbosa Oliveira, Juliana Clemente Machado, Maria Camila Ceballos, Aline Cristina Sant'Anna

27 / November / 2022

A domesticação vs Antropomorfização

Não é seguro afirmar que o Neolítico trouxe a domesticação, mas é absolutamente óbvio que os nossos antepassados rapidamente perceberam a mais-valia de sinergias com o mundo que os rodeava, os animais não foram exceção. Com esta premissa podemos e devemos partir para uma compreensão da natureza humana na sua relação com os animais, muito mais numa óptica de parceria que em muito nos beneficia, levando a que, no correr dos tempos fizéssemos opções diferenciadas em cada caso, ora acompanham, ora alimentam, ora apoiam no trabalho e na sobrevivência comum.   Em qualquer escolha, os animais tiveram e têm um lugar muito claro ao nosso lado, e foi sempre esse, ao lado e do nosso lado, ainda que nem sempre o consigamos compreender, pelo menos não todos nós. Nesta relação, animal-humano, surgiu o conceito de bem-estar que segundo a WSAVA (The world small animal veterinary association) o “Bem-estar animal consiste num bom estado físico e psicológico, social e ambiental dos animais”, a avaliação do bem-estar tem como base cinco necessidades básicas das quais: a necessidade de ambiente, alimentação e alojamento adequado e a necessidade de poder expressar os padrões normais do seu comportamento.   Ora, feita esta ref lexão, cumpre viajar aos tempos modernos no mundo da veterinária, principalmente o da enfermagem. Aqui, a noção de comprometimento é por demais evidente, não podendo evitar o contacto próximo com tutores e seus protegidos, companheiros de viagem, muitas vezes os únicos na vida afetiva dos nossos clientes.   Na conexão que se estabelece entre humanos e seus animais de estimação, é frequente depararmo-nos com uma humanização de animais de companhia que, relevando o devido respeito, em nada são dignas, passando a merecer um olhar mais atento e, sobretudo, uma atitude esclarecedora. Genericamente, o antropomorfismo define-se como a atribuição de características humanas aos animais ou objetos. O respeito pelo espaço e pelas necessidades diferenciadas enquanto seres que partilham um mesmo mundo, não podem nem devem ser alteradas, sob pena de mutilarmos o normal e saudável desenvolvimento das espécies e sua evolução no todo. Assim, o ato de domesticar não deve ser confundido com o ato de humanizar, embora separar estas duas ações seja, por vezes, difícil.   Hoje, os animais de estimação ocupam um lugar de destaque na nossa sociedade e são vistos como um membro da família. Estes “melhores amigos” que nos acompanham no nosso dia-a-dia ajudam a colmatar sentimentos como a solidão e tristeza ou ausência de objetivos em que os afetos são, porventura, os mais importantes. Há ainda evidência científica que sugere que a obtenção de animais de estimação, diminui o risco de doença cardiovascular em adultos e que em crianças, transporta benefícios cognitivos e de educação. Alguns comportamentos de antropomorfismo incluem vestir o animal, realizar festas de aniversário para o animal de estimação, sentar o animal à mesa, pintar as unhas e o cabelo, usar perfumes, levá-lo a passear em marsúpios ou carrinhos de bebé, serem meninos de alianças em casamentos e realizar perfis de redes sociais para o animal como se de uma pessoa se tratasse. Estes comportamentos têm vindo a aumentar ao longo do tempo e muitas vezes advêm de uma dependência exagerada pelo animal, em que os seus tutores tentam preencher os seus vazios emocionais e psicológicos. O animal é, muitas vezes, visto como um substituto emocional e pessoal, como por exemplo um filho.   A antropomorfização pode trazer benefícios para o animal ref letindo maior bem-estar, mais e melhores cuidados veterinários e melhor alimentação, nestes casos notamos também que há uma maior disposição do tutor para enfrentar qualquer despesa financeira, mas não só deste “investimento” vivem os nossos animais. Este fenómeno que não trouxe só benefícios para o animal, mas também para o seu tutor, uma vez que contribui para a sua saúde emocional, revela-se, contudo, profundamente nocivo à evolução natural das próprias espécies, podendo, no limite, ser razão de maior fragilidade dos animais, mais doenças e sobretudo, um fim mais precoce. Senão vejamos. Embora, a antropomorfização seja sinal de amor e cuidado pelos nossos animais, pode também trazer transtornos sérios ao animal, alterando o seu comportamento, qualidade de vida e bem-estar. Temos como exemplos: um animal que realize passeios num carrinho bebé irá ter mais problemas articulares por desuso dos membros; o uso de tintas, vernizes e perfumes podem despoletar alergias além de que pode interferir na socialização; o uso de medicação humana em animais como por exemplo o paracetamol pode custar-lhe a vida.   Um animal exageradamente humanizado pode deixar de realizar alguns comportamentos típicos da sua espécie impedindo-os de socializar com outros da mesma, interferindo assim com umas das necessidades básicas de bem-estar. Há, em alguns casos, uma perda de identidade do animal que, pode levar a comportamentos de frustração, stresse e até mesmo de agressividade. Em clínica, podemos ver animais que não querem sair do colo do dono ou da mala pois veem-se como extensão do seu dono e não como animais que são. Aqui o perigo é identificado pelo enfermeiro/a que faz o acolhimento, a quem compete uma postura esclarecedora, amigável, meiga, contudo assertiva. Cabe assim, ao veterinário e enfermeiro veterinário consciencializar o tutor do animal para que sejam criados limites na sua domesticação de forma a não comprometer a saúde do seu melhor amigo.   Esta consciência, nem sempre fácil de transmitir a tutores mais fechados sobre si e os seus animais, é uma árdua tarefa que acaba nos ombros do/a enfermeiro/a veterinário/a e na sua condição de obrigatoriedade pedagógica e didática, no mundo das relações da veterinária e os tutores de animais de estimação. Os animais devem ser educados e tratados corretamente de forma a considerar as suas necessidades, não caindo no exagero pernicioso que leva à antítese da intenção inicial.   Por isso, por mais engraçado que seja, ver um cão vestido ou até a andar de skate convém não esquecer que estes são animais e temos a obrigação de atender às necessidades da sua espécie, permitindo-lhes uma vida plena e feliz no seu contexto. Aqui sim revela-se o verdadeiro tutor.   Alexandra Cardoso, in Veterinária Atual   *Artigo de opinião publicado originalmente na edição nº 165 de novembro de 2022 da VETERINÁRIA ATUAL

15 / November / 2022

A doce Carolina é uma gota no oceano de pessoas abafadas pela opressão e vergonha de assumir a magoa que existe ao fim do dia.

Uma nota de pesar é algo simples e “fácil” de se fazer, até existem protocolos para isso, mas tem sido muito difícil dissociar o profissionalismo do sentimento de amizade que tínhamos pela Carolina. Já correram muitas linhas com motivos e justificações sobre o que aconteceu, voltou a falar-se da saúde mental e da urgência de estarmos atentos. Já formos deparados com tantos acontecimentos e ao mesmo tempo nada muda.   É importante passarmos dos esquemas e da teoria à ação, deixarmos de lado os falsos moralismos e as nobres publicações nas redes sociais e sermos mais humanos no dia-a-dia, que é isso que faz a diferença.   Quem conhecia a Carolina sabia que era uma menina inteligente, cuidadosa, querida e muito preocupada com os outros. Mesmo com o turbilhão de emoções que lhe corriam presenteava todos com a sua doçura e o seu sorriso. A AEVP, quer fazer sentir que na nossa profissão temos de lidar situações e emoções divergentes no dia-a-dia, quem trabalha com vidas é assim mesmo. A nossa imagem é passada para fora como os que “andam com os animais que adoram ao colo e a fazer miminhos”, e isto abafa o que não partilhamos: a perda, a injustiça, o stress, o excesso de trabalho, a incapacidade de salvar todas as vidas no decorrer do dia, a gestão dos clientes e tantas outras causas que nos levam a um esgotamento. É fundamental criar uma rede de ajuda, até fiscalização sobre as equipas e horários de trabalho, que a formação sobre saúde mental não se limite a webinares esporádicos, mas sim que seja lecionada desde a faculdade, ou diríamos até desde o ensino básico e que haja formação continua orientada para a futura profissão.   A Veterinária é muitas vezes vista pela sociedade como uma profissão de bons samaritanos que têm a obrigação de cuidar dos animais, sendo apenas nós os responsáveis por tal. O facto de nós trabalharmos com paixão imensa, não anula que sejamos pessoas a ganhar a vida, contas para pagar e tudo o resto, por isso é importante ressalvar que o problema é mesmo muito maior e tem muitas ramificações a tratar, por isso é urgente que comecemos por algum lado.   Infelizmente, a doce Carolina é uma gota no oceano de pessoas abafadas pela opressão e vergonha de assumir a magoa que existe ao fim do dia. Expressamos mais uma vez um imenso pesar pelo falecimento da nossa amiga. Neste momento de dor e tristeza a AEVP está solidária com a família, amigos e com os colegas da Clínica Veterinária do Carandá.