Era Industrial vs Era do Conhecimento na veterinária

   Vivemos numa atualidade onde é visível a ultrapassagem da Era Industrial pela Era do Conhecimento. Atentos às exigências de um mundo muito mais corporativo é-nos, cada vez mais, exigida AUTENTICIDADE. Capacidades que outrora poderiam ser consideradas irrelevantes, hoje podem e devem ser reconhecidas como bens maiores. Estas compõem o perfil de um profissional moderno e são tão ou mais importantes, que as competências técnicas.

   Há alguns anos acreditava-se que o funcionário mais capaz profissionalmente seria aquele que teria o maior domínio técnico da sua atividade, uma vasta lista de formações num tema específico e muitas horas dedicadas à mecanização da sua atividade.
 

   Atualmente, várias empresas a nível mundial têm reconhecido qualidades ligadas ao espectro subjetivo de cada indivíduo.

   Num relatório da Deloitte Access Economics com base de estudo em plataformas como LinkedIn e Workible, afirma-se que “à medida que a tecnologia, a globalização e as mudanças demográficas continuam a moldar a forma como as empresas competem, a importância das habilidades sociais aumentará.”
 

   O relatório Future of Jobs, apresentado pelo World Economic Forumapresentou uma lista de cinco habilidades chave relativas à empregabilidade dos próximos anos, sendo elas, a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico, a criatividade, a gestão de pessoas e a coordenação de equipas.

   Sem nunca subestimar o valor fundamental do rigor na formação, a veterinária é, também, uma das profissões onde a adaptabilidade, a inteligência emocional, a persuasão, a comunicação efetiva e a gestão de tempo são competências fundamentais para o trabalho de equipa, sendo este fundamental nesta área.

   Acreditamos que com a objetivação de todos estes conceitos, cria-se espaço para falar de emoções sem sentimento de culpa. Grande parte dos profissionais da área aventuram-se e exprimem que na sua atividade desenvolvem muito mais do que uma profissão – uma paixão. Este conflito de interesses e consequente paralelismo entre a realidade e a utopia da perfeição, cria mazelas que, quando não reconhecidas e tratadas, levam aos tão comuns problemas de saúde mental. Ao existir espaço para a autenticidade será certamente mais fácil deixar claras as expectativas e a realidade.

   Acrescido a isto a veterinária enfrenta, no nosso País, a descredibilização dos profissionais e, consequentemente, da área. As frases que muitos calam, mas que todos sabemos de cor até à exaustão, e que damos como exemplo: “Só por ver o cão gastei 30 euros!”, “Gastei o dinheiro e fiquei sem o meu gato!”, “Não percebo o porquê de tudo ser tão caro!”. Estes desabafos são um pequeno exemplo daquilo que ouvimos, independentemente da nossa dedicação, paixão e entrega aos animais de que cuidamos diariamente.

   O estudo e referenciamento das softskills e da atribuição de diferentes funções a cada um dos elementos da equipa, serão facilitadoras para o trabalho em conjunto e clarificadoras para o cliente. É imperativo que o cliente esteja esclarecido, é fundamental que se explique o porquê dos valores, são necessário elementos para todos os desempenhos, atentos às suas capacidades e habilidades/competências de trabalho.

   Desta forma, na veterinária, começa a ser pedra basilar o trabalho de equipa multidisciplinar, tornando-se imperativa a especial atenção a estas habilidades comportamentais.

   Um dos objetivos da AEVP passa pelo estudo da profissão e acompanhamento da formação. Assim, tem assumido o reconhecimento do estudo e da certificação dos cursos de Enfermagem Veterinária.

   Neste momento são sete as escolas a lecionar nesta área, destacando como objetos de avaliação pela A3ES as hard skills. Contudo verifica-se que algumas escolas vão promovendo o desenvolvimento de soft skills, mesmo que em atividades extracurriculares, tais como o empreendedorismo, a comunicação, a eficácia do relacionamento interpessoal, entre outras, junto dos seus alunos, com o desenvolvimento de projetos que visam promover o quadro de inovação pedagógica e os imperativos do reconhecimento profissional.

   Apesar de existirem sete escolas, apenas uma – Viseu – tem certificação pela ACOVENE – Comité de Acreditação do Ensino de Enfermagem Veterinária. Esta já inclui nos seus modelos de avaliação elementos relacionados com as soft skills, como por exemplo: o que é necessário na abordagem ao cliente aquando da eutanásia do animal.

   Desta forma, acreditamos que a certificação pela ACOVENE será uma mais-valia para a uniformização de critérios em todas as escolas do País.

   Em suma, as habilidades técnicas que aprendemos durante todo o nosso percurso de formação são fundamentais para a construção de bons profissionais, contudo são as competências comportamentais e intelectuais, ou seja, as capacidades ligadas à personalidade, cognição e conduta de pessoas que farão toda a diferença no futuro, e a veterinária deverá estar pronta para esta mudança de paradigma.

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Isabel Cunha, in Veterinária Atual

   *Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 156 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de janeiro de 2021.