09 / December / 2024
Resistência Antimicrobiana: Como pode o Enfermeiro Veterinário intervir na sensibilização deste problema emergente?
Entende-se por antimicrobianos - incluindo antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários – os medicamentos usados para prevenir e tratar infeções em humanos, animais e plantas. São considerados das maiores descobertas da História da Humanidade. Após a sua descoberta em 1928, a penicilina tornou-se o primeiro antibiótico a ser produzido em massa a partir do início da década de 1940. No decorrer da II Guerra, foram produzidos os primeiros lotes de penicilina e os antibióticos passaram a fazer parte das práticas médicas, salvando um número incontável de vidas humanas.
Assim que os primeiros antibióticos começaram a ser utilizados, a resistência antimicrobiana foi reportada. O primeiro caso de resistência à penicilina foi verificado logo em 1940, antes da sua produção e utilização em massa.
A resistência antimicrobiana ocorre quando os microrganismos (bactérias, vírus, fungos e parasitas) já não respondem aos agentes antimicrobianos, tornando estes tratamentos específicos ineficazes reduzindo, assim, as opções de tratamento clínico. Consequentemente, aumenta o risco de complicações e de disseminação das doenças, internamentos hospitalares (lecando a mais custos) e taxas de mortalidade.
Quais são os fatores de risco?
Os países em vias de desenvolvimento, onde ainda existe falta de acesso a água potável, saneamento e as práticas de higiene são pouco recorrentes, o acesso a diagnósticos de qualidade, tratamentos e vacinas é deficiente, assim como a prevenção e o controlo de infeções em unidades de saúde, lares ou explorações agrícolas/pecuárias são precários, padecem rapidamente das consequências associadas a este flagelo. Não obstante, os países desenvolvidos partilham alguns destes fatores de risco, sendo que a escassa sensibilização para uma utilização correta dos antibióticos ainda faz parte das atuais preocupações e isso impacta negativamente a população.
Em números, qual é o impacto a nível mundial?
Através de uma rápida pesquisa, conseguimos perceber o impacto que o problema tem, à escala mundial.
A Organização Mundial de Saúde revela que, em 2019, a resistência antimicrobiana foi responsável, diretamente por 1,27 milhões e contribuiu para outros 4,95 milhões de mortes, em todo o mundo. Estima-se que, em 2050, será responsável por 2 milhões de mortes por ano, sobretudo em pessoas acima dos 70 anos de idade, sendo, por isso, mais prevalente do que as mortes relacionadas com doenças oncológicas.
Fonte: https://wellcome.org/sites/default/files/wellcome-global-response-amr-report.pdf
O relatório do Sistema Global De Vigilância De Resistência E Uso De Antimicrobianos (GLASS), de 2022, destaca taxas de resistência alarmantes entre bactérias prevalentes. Refere que, em 76 países, a taxa média de resistência da Escherichia coli às cefalosporinas de terceira geração é de 42% e que a Staphylococcus aureus mostrou-se resistente à meticilina em 35% dos casos.
Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), a projeção é que resistência aos antibióticos vai aumentar em duas vezes até 2035, comparativamente com os números verificados em 2005.
Na prática, procedimentos e tratamentos médicos como cirurgias e quimioterapias também ficam comprometidos.
O problema é complexo e requer ações específicas por parte do setor da saúde humana, produção de alimentos e setores animal e ambiental, implicando uma abordagem coordenada entre todos estes setores – One Health.
A One Health é uma abordagem integrada que visa atingir resultados de saúde ideais e sustentáveis para pessoas, animais e ecossistemas. Afirma que a saúde dos humanos, animais domésticos e selvagens, plantas e o ambiente em geral estão intimamente ligados e são interdependentes. Pretende, assim, prevenir e controlar a resistência antimicrobiana através da colaboração de entidades de todos os setores relevantes na implementação e monitorização de programas, políticas, legislação e pesquisa nesta área.
Torna-se importante a sensibilização da população e os profissionais de saúde, em particular, para uma utilização correta dos agentes antimicrobianos. A responsabilidade é de todos, desde os cidadãos aos profissionais de saúde envolvidos na sua prescrição e distribuição, a nível humano e animal.
De que forma, podem os enfermeiros veterinários intervir?
Cabe aos enfermeiros veterinários, na sua prática clínica, adotar medidas como:
- Informar os tutores sobre o perigo do uso indiscriminado deste tipo de medicamentos, explicando que pode levar a resistências, pondo em causa a sua eficácia;
- Relembrar os tutores que são medicamentos de prescrição médica obrigatória, devendo ser utilizados somente mediante indicação do médico veterinário nas doses prescritas;
- Incentivar ao descarte, em locais apropriados nas farmácias, sempre que haja sobras de medicamentos, de forma a que não exista a possibilidade de utilização em situações futuras para as quais não foram prescritos;
- Alertar que nem todas as infeções são iguais em termos de utilização de antibióticos, ou seja, só o diagnóstico do médico é que permite a melhor escolha do antibiótico em função da situação em causa.
Desta forma, aos dias de hoje, o aumento da resistência aos antimicrobianos constitui uma preocupação crescente à escala mundial.
Os esforços na área da investigação não devem, assim, ser dirigidos apenas para a descoberta e desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos e vacinas. A melhoria da tecnologia dos diagnósticos, tornando-os mais precisos e aumentando a sua sensibilidade, contribui de forma significativa para a prevenção precoce das infeções e proporciona tratamentos mais direcionados.
A investigação acerca dos mecanismos de desenvolvimento das resistências, por parte dos agentes patogénicos, também deve continuar. O esforço contínuo da sensibilização também é crucial e está nas nossas mãos dirigi-lo à população em geral.
Referências Bibliográficas:
- https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial resistance Antimicrobial Resistance (WHO, 2023).
- Antimicrobial resistance: a silent pandemic | Nature Communications. Publicado em julho de 2024
- The Relationship Between the Microbiome and Antimicrobial Resistance Nguyen T Q Nhu 1 , Vincent B Young 1 2 (2023)